domingo, 21 de julho de 2013

A Páscoa de José Dias

Diário de Coimbra, 21.jul.2013

Sabíamos que um dia teria de acontecer e que nunca estaríamos preparados para o momento da Páscoa do nosso querido companheiro e amigo José Dias.

Hoje, dia 15 de julho de 2013, data em que estas linhas começam a ser escritas, tivemos a notícia.

Gostaríamos de conseguir encontrar as palavras de consolo para a Fátima, que conjugou com ele a vida, para a Renata e David, frutos do seu encontro de amor bem como para a mãe e irmãos. Também gostaríamos de ser capazes de consolar todos os amigos e de nos consolar a nós mesmos.

O José Dias deixa-nos imensa saudade da sua amizade envolvente, do seu caráter indomável, da sua humildade cativante, do seu profundo e abrangente conhecimento científico e da sua inovadora sabedoria.

O José Dias cria-nos uma enorme perplexidade quanto a sermos capazes de dar continuidade à sua herança relacionada com o estudo e divulgação do pensamento social da Igreja.

O José Dias responsabiliza-nos e impele-nos ao compromisso eclesial com empenhamento individual e comunitário à luz do seu exemplo de amor à Igreja, criticamente construtivo.

O José Dias recorda-nos, permanentemente, a radicalidade do Evangelho e que toda a ação da Igreja se faz “em nome de Jesus Cristo”, como quis significar com o título que deu ao seu livro para formação básica em Doutrina Social da Igreja (DSI).

O José Dias demonstra-nos como a substância do saber e do compromisso real se sobrepõem aos títulos académicos.

O José Dias ajuda-nos a perceber o verdadeiro alcance e sentido de qualquer “acidente de percurso” (como ele chamou à sua doença) na nossa caminhada para a plenitude do Reino de Deus, à semelhança de Job.

O José Dias ensina-nos a louvar a Deus por todas as coisas boas que nos dá ao longo da nossa vida e a pedir, em vez da cura, capacidade para aceitar a Sua vontade.

O José Dias mostra-nos como e quando nos devemos recolher e guardar (“encostar às boxes” como ele dizia), sem capitulação, mas compreendendo a nossa finitude.

O José Dias combateu o bom combate, percorreu o seu caminho e guardou a fé, foi consequente e coerente no compromisso familiar e na atividade social e eclesial.

O José Dias é e continuará sempre a ser uma lição de vida para todos os que tiveram o privilégio de o ter como amigo ou de ter privado com ele, mesmo que por breve momento.

O José Dias é o irmão que parte, mas fica connosco para sempre.

Os membros da Comissão Diocesana Justiça e Paz (CDJP) partilham, cada um a seu modo, estas certezas e emoções, sentem a perda o seu expoente e impulsionador, mas esperam, a par da Diocese de Coimbra, dar continuidade ao trabalho encetado.

Carlos Paiva

domingo, 14 de julho de 2013

Os tempos que correm




 Diário de Coimbra, 14.jul.2013
Os partidos políticos são uma das principais formas de organização dos cidadãos e, em princípio, os ideais que estão inscritos na sua matriz genética convocam para as formas mais nobres de conceber, e realizar, o interesse comum. Sendo um poderoso instrumento de domínio social os partidos são, também, o meio adequado para a afirmação duma classe politica que, através do controle do aparelho do Estado, impõe a sua visão sobre o modelo de construção da sociedade.

Porém, cada vez mais o termo político assume um significado polissémico que abrange realidades distintas em que coexistem o sentido mais nobre da palavra e os outros. Neste domínio, num ensaio de 1927 em que está patente o seu fulgor intelectual, Ortega y Gasset estabelece uma tripartição dos governantes que se podem classificar como estadistas, como escrupulosos ou como pusilânimes. O homem de Estado, afirma aquele Autor, deve ter o que chama de "virtudes magnânimas", e não as "pusilânimes", sendo certo que aquelas causam muitas vezes a incompreensão derivadas da sua preocupação com o longo prazo e, consequentemente, toma decisões impopulares a curto prazo, enquanto a maioria dos políticos preocupa-se com resultados imediatos de suas ações. Sinteticamente o Estadista preocupa-se com a próxima geração e o político com a próxima eleição.

Infelizmente as últimas décadas remeteram para os arcanos da história a regra fundamental de que os políticos só têm assegurada sua legitimidade se, e na exacta medida, em que procuram decidir de acordo com o interesse da comunidade. Aquilo que é uma evidência da vida democrática, e que já para os filósofos gregos era uma regra básica na vida da “polis”, está hoje, muitas vezes subvertida pela forma de exercer o poder politico.

Na verdade, são cada vez menos aqueles que, pela dedicação à causa pública, prescindem de ocupações privadas, bem mais lucrativas, e aceitam o desafio de tomar nas mãos a condução do destino colectivo. Pelo contrário a opção pela política é muitas vezes subjugada a interesses que não são nem públicos nem admissíveis ética e legalmente. Em tais casos, o altruísmo político transforma-se numa nova doença do regime democrático que é o “parasitismo politico” e que, na sua forma extrema, implica a “patrimonialização privada” do interesse publico

À medida que cada vez mais actores políticos são o fruto de uma carreira formatada nas juventudes partidárias, sem qualquer aval de uma vida profissional de valia, maior é o perigo de agentes sem valor, e sem valores, utilizarem o Estado como se este fosse o condomínio privado duma classe que, segundo as alternâncias eleitorais, vai sendo gerido alternadamente pelos partidos do poder. A ocupação de cargos públicos em vez de ser o lugar nobre da realização da “res publica” transforma-se num objectivo da luta política, constituindo a recompensa do vencedor destinada ser entregue aos que colaboraram na vitória.

Esta constatação não é o mero fruto do sonho de uma noite de Verão mas, infelizmente, a constatação de um encadear de situações que, ao longo de anos, se tem verificado no nosso País. O lado negro do nosso regime democrático mostra-nos um catálogo de situações em que converge todo o tipo de práticas que, como maior ou menor ilicitude, despontam no espectro da patrimonialização do regime e da captura do Estado por interesses privados.

A falta de preparação e convicções de parte das elites políticas evidencia-se hoje através de uma outra doença evidenciada pela efervescência dos dias que passam. Na verdade, a ausência duma perspectiva de Estado sobre os problemas com que nos defrontamos conduz a decisões em que é patente a irresponsabilidade politica. Esta é tanto mais evidente quanto opções com uma profunda consequência no nosso viver colectivo são tomadas de ânimo leve sem qualquer ponderação sobre os seus efeitos.

Quando constatamos a forma como ao longo de décadas se distorceu o sentido de Estado uma das maiores perplexidades que nos invade é o motivo da deserção de políticos que professem esse sentido mais nobre da Política. Porém, tal constatação não foca sobre algo que nos seja alheio e só acontece porque, ao longo dos anos, pactuamos com a mediocridade e com a indigência moral de alguns responsáveis, premiando quem devia ser penalizado. Perante a História, ao abdicarmos da exigência ética na avaliação dos maus governantes, tornamo-nos cúmplices dos seus actos.

Por contraposição aos dias que passam vêm-nos à memória as palavras com que, noutro tempo, Sá de Miranda se referia aos que tinham por mister olhar os assuntos do Reino: Homem de um só parecer; De um só rosto, uma só fé; De antes quebrar que torcer . Ele tudo pode ser; Mas de corte homem não é. (Carta de Sá de Miranda a D. João III)
José Santos Cabral

domingo, 7 de julho de 2013

Os casos de rotulagem enganosa

Diário de Coimbra, 7.jul.2013

Por favor, não me reduzam os casos dos hamburgers de carne de cavalo rotulados como de carne de vaca ou dos ultracongelados de peixe-caracol rotulados como de bacalhau a um caso de saúde pública (que não o terão sido), ou a um crime económico (que o serão) e menos ainda a uma mera “irregularidade” (sic). Estamos a um nível muito mais profundo, ao nível da fronteira última entre a verdade e a mentira, ao nível de um dos fundamentos éticos mais consistentes e estruturantes das sociedades humanas: a verdade. Um nível tão profundo que, noutro âmbito de reflexão, Bento XVI, na sua última encíclica, escreve sem meios-termos: para a Igreja, o serviço à verdade é irrenunciável.

O comércio, enquanto atividade, sem pôr em causa as pessoas, desviou-se daquele padrão de que “o cliente tem sempre razão”, para um descarado desrespeito pelo cliente: habituou-se a definir ele mesmo quais são as nossas necessidades, a vender-nos produtos de qualidade sofrível, a inflacionar os preços para tornar os saldos apetecíveis, a vender-nos “marcas” por produtos, a instrumentalizar publicitariamente tudo e todos, a levar-nos a assinar contratos de letra miudinha que ninguém lê, a obrigar-nos a comprar dois rolos de fita-cola quando só precisamos de um ou cinco adaptadores de tomadas elétricas para os diferentes países do mundo quando precisamos só de um para Inglaterra! E nós, enquanto consumidores, temos “engolido” tudo isto, com muita indiferença, alguma reclamação mais ou menos inconsequente aqui ou ali, e alguns impropérios descarregados no seio familiar para descarga da frustração quando chegamos das compras e nos apercebemos mais nitidamente de quanto não fomos respeitados. Nesta prática instalada, a rotulagem mentirosa é apenas mais um passo; mas há passos que correspondem a ruturas absolutas entre o sim e o não. A rotulagem enganosa é uma opção radical pela mentira, sem gradualidades ou atenuantes. Por isso, independentemente de contextos ou de consequências, deve ser também condenada em absoluto, sem gradualidades ou atenuantes.

A verdade não é utilitarista. Mas, dito isto, até do ponto de vista utilitarista o comércio só tem a ganhar com a verdade. Por motivos complexos, o comércio exagerou as capacidades consumistas das pessoas. Os centros comerciais e as grandes superfícies replicaram-se e multiplicaram-se, matando o pequeno comércio e matando-se umas às outras. Isto no momento em que a abertura dos mercados ao nível planetário provocou, pelo menos nesta fase, desequilíbrios também eles planetários. Acresce a crise social-financeira, com o comum dos cidadãos sem dinheiro para consumir. A situação tornou-se crítica: o comércio, quase todo ele, vive com a corda na garganta. Até dói entrarmos nalguns espaços comerciais e termos a sensação de que eles não fazem caixa no final do dia para pagar a luz. Pois bem, se a estes fatores somarmos clientes desconfiados de que estão a ser enganados por rótulos falsos…, o que esperam os comerciantes vender?! Os comerciantes precisam dos consumidores do seu lado; e isso só é possível se entre ambos houver relações de verdade.

Carlos Neves

Sim, nós podemos!

Diário de Coimbra, 29.dez.2013 Temos a noção de que atravessamos tempos únicos em que os desafios intranquilos duma nova era da Civil...