domingo, 29 de setembro de 2013

Vigilência e Intervenção

Diário de Coimbra, 29.set.2013

Terminado o dia, teremos votado. Teremos exercido o direito democrático de escolher aqueles que na nossa opinião mais serão capazes de governar as autarquias. Mas este exercício não esgota nem pode esgotar a nossa intervenção política na vida da cidade, do bairro, da aldeia, da rua…: a democracia representativa é uma conquista da História de indelével valor; mas se não for acompanhada por uma “democracia participativa”, facilmente descola da vida dos cidadãos e não raro se deixa amarrar por outros interesses.

Porque há mesmo outros interesses; interesses que não põem a dignidade das pessoas e o bem comum das comunidades como seu centro e meta, mas sim, dito de modo cru, e lembrando uma intervenção recente do Papa Francisco, o dinheiro. Ora, para o dinheiro, quem se coloca de permeio… ou ajuda, ou estorva. A nível internacional e nacional, sobram as evidências. Mas, à sua escala, a força corruptiva do dinheiro desce também às nossas cidades, vilas e aldeias, pela simples razão de que o “ter” é o cerne da cultura do nosso tempo. E, aqui, de permeio estão aqueles que hoje elegermos. Por isso, sejam quais forem os eleitos, eles precisam da nossa participação ativa que lhes facilite a fidelidade aos ideais de promoção do bem comum, reforço da cidadania e trabalho pelo progresso com que, estou em crer, todos eles se apresentaram às urnas.

Nesta lógica, o essencial da democracia participativa tem duas dimensões: a da vigilância e a da intervenção. Pela primeira, tentamos dificultar ao máximo os “desvios” daqueles ideais; pela segunda, tentamos criar sinergias positivas, apontando necessidades, enunciando alternativas, filiando-nos em projetos, aclarando valores, promovendo iniciativas, exercendo um juízo crítico que aplaude ou vilipendia sem outros limites que não sejam os da consciência pessoal informada… A questão é que reduzimos estas duas dimensões a uma só, a da vigilância, e mais ainda, entregámo-la quase em exclusivo à comunicação social, que, por sua vez, nem sempre a exerce bem. É uma demissão grave que, se não desculpa as fracas políticas e menos ainda qualquer cedência à corrupção dos atores políticos, também não os conforta nem suporta nas exigências mais radicais da sua missão: o bem de todas e cada uma das pessoas, na sua área de poder.

O dia de hoje é de grande importância, porque define ideias e orientações de fundo para os próximos anos, segundo os diferentes programas eleitorais. Mas não chega: para o nosso próprio bem, precisamos todos de combater a indolência e a apatia e de nos empenharmos criticamente na vida comunitária. Desde logo, pela grave razão de haver outros interesses que não são indolentes nem apáticos na destruição das pessoas e da própria comunidade política; depois, porque precisamos mesmo de construir outra polis, certamente também de progresso material, mas cujo centro seja a pessoa humana.

Carlos Neves

domingo, 22 de setembro de 2013

Portugal, a "loge" da UE?

Diário de Coimbra, 22.set.2013

Fui ver o filme “Gaiola Dourada”, uma película com bons atores, muito aplaudida e elogiada – mas também criticada – e que, tal como se publicita, procura prestar homenagem aos portugueses emigrantes da década de 70. Preparava-me para ter um serão agradável, mas acabei por sair aborrecida, desapontada, com uma sensação de amargo na boca que, no momento, não conseguia explicar.

Mais tarde, percebi que me incomodou constatar que a consideração e o respeito com que os líderes europeus (e não só) olham para Portugal é, em muito, semelhante ao modo como os habitantes do prédio parisiense tratavam a família Ribeiro. Pelo que me proponho, não pôr em causa a qualidade do trabalho de realizador Ruben Alves, antes partilhar a reflexão que me suscitou a história que nos conta.

Embora se justifique dizer que estamos perante uma comédia bem-disposta, com apontamentos satíricos e ternurentos, não concordo nada (mesmo nada) com os que afirmam que vivemos destinados a ser «pacatos e trabalhadores, poupados e prudentes», condenados a «sacrificarmo-nos generosamente, labutando dia e noite, para cumprir os nossos deveres» pelo bem, alegadamente comum, da Europa.

Do meu ponto de vista, pelo contrário, a situação atual do nosso país desaconselha que este tipo de abordagem humorística apenas nos divirta e, sorrateiramente, nos convide a continuar a pactuar com a forma como os nossos representantes (governo, eurodeputados e outros políticos), considerando ser este o único caminho, ratificam e valorizam as “ordens” que nos são dadas.

No filme, tal como na zona EU, o condomínio é gerido por uma senhora loura de cabelo curto, ali Madame Reichert, que, embora aprecie o zelo e empenho, dedicado e obediente da porteira Maria Ribeiro, evita, a todo o custo, desculpando-se com a crise financeira, qualquer despesa que contribua para a melhoria do rés-do-chão onde esta vive. Todavia, em simultâneo, almejando ficar bem colocada num qualquer ranking (digo, concurso), explora o mais possível a sua boa vontade, exigindo até cuidados reforçados e extremosos para com as flores do pátio.

Esta atitude abusiva é partilhada, em sintonia, por todos os que convivem naquele ambiente. A família Ribeiro parece ter nascido para, discreta e apagada, garantir o conforto dos que a rodeiam. Fazem babysitting, tratam da roupa, cuidam das flores e dos bonsais, distribuem o correio, limpam vidros e metais, consertam a canalização, etc. sempre com uma abnegação e cuidado exemplares. Contudo, ninguém, nem mesmo os familiares e conterrâneos, elogia ou valoriza o seu trabalho até … se verem na eminência de perder tão relevantes préstimos. Os que antes apenas comentavam “trop bon, trop con” (parvos de bons, diríamos nós) percebem que, afinal, grande parte do seu sucesso económico e social depende do trabalho daqueles que consideravam como meros ajudantes, sem entendimento nem liberdade.

Se, na década de 70, a coragem e a tenacidade dos emigrantes é digna de todo o nosso respeito, hoje, numa época em que se apregoa aos quatro ventos as virtudes do empreendedorismo, da criatividade e da inovação, terá sentido exaltar as qualidades da atitude passiva, obediente e subserviente?

Como podemos proclamar, como principais objetivos da União Europeia, a promoção da paz, dos seus valores e do bem-estar dos povos e, simultaneamente, esquecer o oitavo objetivo de desenvolvimento do milénio (ODM 8) – aquele que, significativamente, está mais longe de ser alcançado – que nos impele a «promover uma parceria global para o desenvolvimento»?

Neste momento – os trabalhos da assembleia geral tiveram início em 17 de setembro – os 193 estados membros da ONU estão a debater o desenvolvimento das nações pós- 2015 (data definida para alcançar os ODM). Este, sim, é um tema que nos envolve e um desafio que todos merecemos discutir. E que devemos enfrentar.

Teresa Pedroso de Lima

domingo, 15 de setembro de 2013

O povo merece mais e melhor

Diário de Coimbra, 15.set.2013

Comparando a situação financeira atualmente vivida pela maioria dos portugueses com a que desfrutavam antes do eclodir da crise internacional de 2008/2009, não há dúvida de que está bastante pior.

Todos fomos informados de que a situação económica portuguesa tinha chegado ao limite, em resultado dos inúmeros erros cometidos por quem nos tem governado, desde há muitos anos. Os mesmos erros são igualmente extensivo aos gestores das empresas e a muitas outras entidades públicas e provadas, aos especuladores e aos homens sem escrúpulos que gravitam à sombra do poder económico, financeiro e político.

Embora seja justo reconhecer que cada um de nós tem a sua quota-parte de responsabilidade em relação aos erros cometidos, considero que é imperativo reconhecer-se que tais responsabilidades não devem ser repartidas da mesma forma entre os que estiveram envolvidos nas decisões tomadas, com os cidadãos comuns.

Apesar disso considero-me também corresponsável pelo caminho seguido, dado que não assumi as atitudes cívicas que devia ter adotado, denunciando e combatendo com maior determinação os graves atropelos que têm vindo a ser cometidos em Portugal. Importa ter presente as consequências das medidas tomadas relativamente à qualidade de vida de muitos dos nossos concidadãos que perderam o emprego e a esperança e que se debatem com grandes dificuldades para garantir a sua sobrevivência e a do seu agregado familiar.

De facto, são inúmeras as injustiças que o processo de ajustamento em curso está a provocar em milhões de portugueses devida à repartição muito desigual dos sacrifícios que estão a ser impostos.

É recorrente sermos confrontados com notícias de que um elevado número de portugueses são atirados para um estado de grande penúria, ao mesmo tempo que outros cidadãos continuam a beneficiar de um estatuto privilegiado suportado por dinheiros públicos.

Refiro-me, concretamente, aos políticos que beneficiam de reforma vitalícia pelo exercício de funções públicas, aos que acumulam reformas pagas pelo Estado, Banco de Portugal, pela CGD e por outras entidades públicas, ao mesmo tempo que continuam a exercer outras funções profissionais; refiro-me aos que ganham salários chorudos em empresa que exercem a sua atividade económica em regime de quase monopólio como é o caso da EDP, REN, GALP, e que depois têm de ser suportados pelos preços excessivos exigidos aos consumidores; refiro-me aos gestores de bancos e outras grandes empresas privadas que ganham principescamente comparativamente aos restantes trabalhadores dessas mesmas empresas, mas que depois não têm qualquer pudor em recorrer aos apoios públicos para não irem á falência; refiro-me ao estatuto privilegiado de algumas classes profissionais como médicos, militares, juízes (incluindo os do Tribunal Constitucional), gestores públicos, membros dos órgãos das entidades reguladoras e muitas outras, quando comparado com os restantes trabalhadores da Administração Pública e do sector privado, nomeadamente no que diz respeito aos salários e outros benefícios auferidos; refiro-me aos beneficiários das Parcerias Público-Privadas das estradas, da saúde da energia….

Temos de reconhecer que, em Portugal, o fosso que separa os mais pobres dos que pertencem às classes mais privilegiadas não pára de aumentar, o que demonstra que o caminho que vem sendo percorrido não está a dar resposta eficaz a tamanha injustiça.

Urge mudar de rumo, o que passa por adotarmos, enquanto cidadãos, uma outra atitude em relação à vida política assim como em relação a todas as esferas de poder em Portugal. Não podemos continuar a aceitar com esta indiferença a perpetuação de tantas injustiças e que a própria Assembleia da República funcione como uma verdadeira “central de negócios” como bem refere José Gomes Ferreira no seu livro recentemente editado.

Abel Pinto

Sim, nós podemos!

Diário de Coimbra, 29.dez.2013 Temos a noção de que atravessamos tempos únicos em que os desafios intranquilos duma nova era da Civil...