domingo, 23 de dezembro de 2012

Apenas um grito radical por justiça e amor


Diário de Coimbra, 23.dez.2012

Praticamente esgotadas as crónicas natalícias sobre a família, as crianças, a solidariedade, as memórias da infância, as estatísticas de consumo, a consoada dos VIP e as tradições etnográficas, permiti que me aventure pelo enfoque teológico, naquilo que tem de mais linear: a incarnação de uma das pessoas de Deus, na região da Palestina, vão decorridos mais de 2000 anos.

Afinal, todo este misto natalício de sentimentos, emoções, memórias e aspirações, caldeado de luzes e agitação, apenas desvela o que a sensibilidade pós-moderna coloca conscientemente entre parêntesis: que a vida reivindica ser mais do que lhe concedemos. O nada sartreano - esse imenso buraco existencial que o homem e a mulher se sentem – acompanha o homem desde quando este se reconhece como tal, e as religiões – de todos os tempos e de todas as formas – apenas procuram ser-lhe uma resposta de “salvação”.

Porque é de “salvação” que se trata: salvação das condições adversas físicas e materiais, salvação das contradições éticas e morais dos indivíduos, salvação das estruturas coletivas que esmagam em vez de servir, salvação do sentido último da existência, salvação do escuro que faz longe de Deus e dos outros companheiros de jornada.

Deus mergulhou neste mar humano assim tão precisado dele; mas vinha esvaziado dos seus poderes divinos, longe de honras humanas, nu. Apenas com a força daquela palavra que racha a direito entre a mentira e a verdade, entre o sim e o não, entre o ódio e o amor. Nada mais. Apenas um voz, um grito radical por justiça e amor, somado a milhões e milhões de outras gritos em todos os tempos e lugares da história. Mas nós soubemos – soubemos porque vimos com os nossos olhos e tocámos com as nossas mãos, numa manhã de Páscoa – que esse grito incontido do Deus-connosco, na sua sede de justiça, desaguará no pleno sentido de toda a História em Deus eterno. As nossas lutas fazem sentido. A Justiça e a Paz, por fim, vencerão.

Deus aproximou-se de nós, por amor de nós. Mas aproximou-se sem qualquer laivo de poder arbitrário, de poder exterior, de magia. Aproximou-se, quer dizer, deslocou-se para o nosso enfoque, desceu para o nosso plano, igualou-se a nós. Fala e atua com sabedoria, aspirações, gestos e sentimentos humanos. Mas por mais bebé que ainda seja nas palhas da manjedoura de Belém, esse homem, tão humano assim, é o Deus que mata a sede a todas as nossas necessidades de salvação.

Claro que é uma questão de fé. Mas, bem vistas as coisas, o que é que na vida não é uma questão de fé?! Feliz Natal, pois, para todos nós.

Carlos Neves

Sim, nós podemos!

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